Eugénia Melo E Castro, Wagner Tiso -“Eugénia Melo E Castro E Wagner Tiso No D. Maria – A Verdadeira Cantora É A cantora Que Se Esforça”

Cultura >> Quarta-Feira, 15.04.1992


Eugénia Melo E Castro E Wagner Tiso No D. Maria
A Verdadeira Cantora É A cantora Que Se Esforça


Segunda-feira, no Teatro Nacional, Geninha esforçou-se, deu tudo por tudo para se parecer com uma grande cantora. Na prova dos nove de “Terra de Mel – 10 anos depois” mostrou que ainda está longe de o ser. Mas que está melhor, está. Dispensado de exame, Wagner Tiso, um pianista e músico fabuloso, rubricou os melhores momentos da noite.



Sala esgotada, anunciava a bilheteira. É relativo. Lá dentro sobravam cadeiras vazias, não muitas, portanto houve quem decidisse não passar por Geninha no Rossio, em Lisboa. Hoje às 22h00 no Porto, na Casa das Artes, haverá mais “Terra de Mel”.
Sobre o palco do Teataro D. Maria II, um piano e um castiçal de velas, eram os únicos adereços de um recital que primou pela discrição. Excepto quando Geninha se entusiasmou e a voz não conseguiu acompanhar o entusiasmo. Mas já lá iremos.
Wagner Tiso deu início ao espectáculo, a solo, em dois temas interpretados de forma sublime ao piano: “Chorava”, da sua autoria, e um Villa-Lobos. Brasil interiorizado, de dramas e tragédias que não cabem no samba nem nas telenovelas. Brasil sublimado no trópico da solidão. Estava preparado o ambiente para a eclosão triunfante da pretendente a diva. Primeiro surgiu só a voz, pelas colunas, em “Hei-de amar-te até morrer”. Depois o corpo, franzino, envolto num vestido decotado de cetim vermelho, apropriado para os jogos entre a inocência e a sedução que Eugénia Melo e Castro tão bem sabe jogar.

Trilogia De Wagner

Sucederam-se as canções, recentes e antigas, entre as quais “Noite sem Luar”, composta em 1907 por Godofredo Guedes, mas que tudo indica estar ainda dentro do prazo de validade. Como a voz aliás. Chegada à casa dos 30, Eugénia Melo e Castro está a cantar melhor do que nunca e vê-se que faz gala nisso. Nos médios graves, nas surdinas, nos arroubos quase declamatórios, a emoção passa, sente-se que há naturalidade. Infelizmente Geninha entusiasma-se e quer ir onde a sua voz não alcança, perdendo-se em estridências metálicas, gritadas, que por vezes, como aconteceu sempre que a cantora “esticava” a garganta, atingem o perigoso registo “Castafiore”, notório sobretudo nos “scats” perfuradores de tímpanos” que se permitiu numa ou noutra canção. Mas tudo bem, Geninha esforçou-se e o público, que gosta sempre de ver um artista a esforçar-se, aplaudiu.
Consumado o esforço, Geninha retirou-se do palco para descansar. Wagner Tiso aproveitou e voltou a deslumbrar, em mais três peças instrumentais: um “Xorinho” de Waldir Azevedo, um “baião” com a sua assinatura e um tema de Tom Jobim. Grande, enorme pianista, Wagner Tiso fez uso magistral do pedal de “decay”, pondo o piano a arquejar, cortando reverberações para lhe soltar de novo a respiração e o “choro”. No “baião” passou de “clusters” oceânicos para rendilhados milimétricos tecidos com a perícia de um cirurgião e apoiados por uma mão esquerda ultra swingante. Da maneira como interpretou a música de Tom Jobim basta dizer que o fez com a profundidade e o sabor derradeiro de um Carlos D’Alessio. Não foi “India song” foi uma “Brasil song”, “Eu sei que eu vou te amar”.

Arrojos De Uma “Louca De Amor”

Ainda mal refeita da emoção, a plateia voltou a acomodar-se às investidas da artista principal, pelo menos no cartaz. Durante uma canção, Geninha afaga com volúpia uma coxa, depois a cauda do piano. É o momento mais erótico do espectáculo a anteceder outros movimentos não menos arrojados da cantora que a seguir cruza os braços sobre o decote, na denominada “posição sarcófago” antes de se atirar a um “no puedo ser feliz”, cantado em espanhol e em que Geninha positivamente se espremeu para simular os transportes da paixão.
“Louca de Amor”, de Cruz e Sousa e Carlos Galhardo (o mesmo de “Maldita Cocaína”), que será o título do próximo álbum de Eugénia Melo e Castro, prosseguiu em idêntica veia de loucura cujo auge foi atingido numa canção em inglês, toda gemidos, toda “jazz singer”, com versos assim, sobre a preguiça em fazer certas coisas: “It´s not that I shouldn’t / it´s not that I wuldn’t / it´s not that I couldn’t / it´s simply because I’m the laziest girl in town”. A verdadeira cantora é a cantora que canta em estrangeiro.
Tempo a chegar ao fim, quase duas horas de espectáculo que vão dar a “O Amor É Cego e Vê” e a uma rapsódia que incluiu “Lua Feiticeira”, como não podia deixar de ser. Flores para Geninha, simpatia, beijinhos e um “encore” final: “Terra de Mel” e uma confissão em verso de canção: “A voz é um instrumento que às vezes não posso controlar.” Não foi tanto assim.

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