Uxia – “Uxia Nas Cidades Da Lua” (entrevista)

Pop Rock >> Quarta-Feira, 15.04.1992


UXIA NAS CIDADES DA LUA

No recente Festival Intercéltico, a cantora galega Uxia, em apenas duas canções, redimiu “Bailia das Frores” de todos os pecados. Com um álbum de viagens solitárias, “Entre Cidades”, agora editado, a antiga vocalista dos Na Lua dá testemunho da Galiza ao resto do mundo.



Uxia abandonou os Na Lua. No contexto instrumental da banda, a voz soava a mais. Sem ela, a Lua escureceu e deixou de brilhar. Em Portugal, integrada na “Bailia das Frores”, do português Tentúgal, mostrou que ela é quem tem razão. Acabou de lançar no mercado o álbum a solo “Entre Cidades”, que terá provável distribuição entre nós pela Mundo da Canção. Novos músicos e novas ideias empurram-na para uma via intermédia entre a tradição galega e a modernidade. O PÚBLICO esteve com ela no Porto, para saber da lua, das cidades sem “textos anacrónicos” e da vida musical a norte do Minho.
PÚBLICO – Que motivos a levaram a abandonar os Na Lua?
UXIA – Sobretudo na fase recente do grupo, comecei a ter dúvidas quanto à minha função dentro dele. Os Na Lua sempre foram em primeiro lugar um grupo instrumental, que ocasionalmente trabalhou com a voz. A inclusão da minha voz acabava por não resultar e por tornar-se secundária. Havia pouca coerência. Isso notava-se, na diferença grande que existia entre os temas onde eu cantava e os instrumentais – era quase uma mudança de estilo.
P. – Depois do abandono, tem já algum novo projecto?
R. – Sim, estou a trabalhar com um grupo de músicos com quem posso fazer aquilo que quero: Cándido Lorenzo, que toca clarinete, flauta e “gaita” [gaita-de-foles]; Antón Rodriguez, dos Na Lua, “gaita”, flauta e saxofone; Xosé Paz Antón, também dos Na Lua, bateria e guitarra eléctrica e Natcho Munoz, teclados.
P. – Os mesmos que participam na sua estreia discográfica a solo, “Entre Cidades”?
R. – Não, este disco foi feito praticamente só com o Quico [Francisco Alvarez] e o Xosé Paz Antón, dos Na Lua, e o Júlio Pereira, que toca sintetizador num dos temas. É um disco de procura de uma linha musical própria, que pode soar um pouco frio por haver poucos músicos e instrumentação.

O Despertar Das Vozes

P. – “Entre Cidades” tem pouco que ver com a música tradicional…
R. – Sim, é verdade, se bem que nalguns casos os timbres da voz derivem daí e noutros apareça uma ou outra melodia popular. No futuro, penso que nos iremos voltar mais para a música popular. Ou pelo menos procurar uma via intermédia. O problema diz respeito, sobretudo, aos textos populares, que acabam às vezes por ser um pouco anacrónicos. Por vezes não me sinto identificada com as palavras. Neste momento estou eu própria a escrever alguns poemas, algo que, por uma espécie de pudor, nunca fiz anteriormente.
P. – Qual a sua posição sobre a música tradicional que se faz hoje na Galiza, em que de uma primeira fase de forte componente nacionalista se passou para cedências sucessivas ao rock, como aconteceu por exemplo no recente “Intercéltico”, com os Matto Congrio, ou os próprios Na Lua, há dois anos?
R. – São opções, todas elas respeitáveis. De certa forma, ninguém sabe muito bem para onde ir. Nalguns casos, experimentou-se sem se aprofundar mais a sua música até chegar a um estilo pessoal que não teria forçosamente de se incluir no lugar-comum do “folk rock”. Mas é de toda a justiça frisar que na Galiza estão a surgir grupos com novas ideias – os Armeguin, por exemplo [editaram o álbum “Viaxantes da Luz”, uma espécie de “new age” tradicional galega]. Por outro lado, ressurgem um pouco por toda a Galiza as “pandeiretadas” tradicionais que estavam esquecidas e os Milladoiro recuperaram em “Galicia no Pais das Maravilhas”. Também se assiste ao despertar das vozes, tão menosprezadas na Galiza.
P. – Como explica a predominância dos grupos instrumentais no panorama da música tradicional galega?
R. – O que se passa é que muitos grupos se inspiraram nos Milladoiro, que são exclusivamente instrumentais. Mas, para um país que pretenda fazer uma música que se possa considerar sua, é imprescindível cantar.

Coligação Galaico-Portuguesa

P. – Fala-se muito da aproximação e da identidade cultural entre o Norte de Portugal e a Galiza, mas na prática pouco tem sido feito no sentido de uma colaboração efectiva e regular entre as duas regiões.
R. – Sou uma grande defensora da ligação entre Galiza e Portugal, mas reconheço que pouco tem sido feito por ambas as partes. No meu caso e dos Na Lua, desde o início que houve contactos e referências portuguesas: o maior êxito dos Na Lua chama-se “Dublin / Coimbra”. Em “Estrela de Maio”, há o tema “As Flores de Viana” e uma versão do Zeca Afonso “Maio Maduro Maio”. Nas “Ondas do Mar de Vigo”, o produtor foi Júlio Pereira e o Fausto cantou uma canção de parceria comigo. No meu disco a solo, o Júlio Pereira volta a estar presente e há uma canção sobre Lisboa… Em termos de música popular, Portugal é dos países mais ricos que tenho conhecido. Vou propor ao Tentúgal fazer uma espécie de circuito entre a Galiza e Portugal, com espectáculos meus e dos Vai de Roda.
P. – Parece existir uma certa desunião entre os músicos galegos que impede uma maior projecção da música galega no mundo.
R. – Fundou-se em tempos, na Galiza, uma associação que procurava criar uma plataforma de entendimento entre os músicos. À terceira reunião, a associação fechou… os músicos galegos são um pouco anárquicos, e tudo acabou por ficar muito confuso. De qualquer forma, foi a primeira vez que na Galiza se juntaram cerca de 15 grupos para discutir ao redor de uma mesa. Quanto à televisão e à rádio oficiais, marginalizam por completo esta música. Na Catalunha houve um protesto público da Maria Del Mar Bonnet. Aqui há urgência em fazer a mesma coisa.
P. – Um programa como Mar A Mar, que passou durante algumas noites na RTP, serve de algum modo os interesses da genuína música da Galiza?
R. – Era um programa mau. Muitos grupos galegos, a maior parte de segunda fila, passaram por aí, mas realmente não faz sentido pôr um “ballet” de “não sei quê” no mesmo cenário de um grupo folk, que normalmente saía sempre desvalorizado ali metido no meio. Era necessário que a televisão tivesse mais imaginação, um programa do tipo do vosso Outras Músicas. O Mar A Mar dava uma imagem equivocada da Galiza.

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