Kepa Junkera – Bilbao 00:00h

18.09.1998
World
Atlético De Bilbau
Kepa Junkera
Bilbao 00:00h (8)
2xCD Resistencia, distri. Movieplay

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“As cidades nasceram para tapar o medo e fugir da saudade, mas acabaram por criar um medo e uma saudade mais fundos, mais incompreensíveis”, escreve Xabier Rekalde a propósito do novo álbum do mestre da “trikitixa” basca, Kepa Junkera, dedicado à cidade de Bilbau, uma das principais do País Basco. Mas Bilbau é também uma urbe “com respiração”, das “que se fazem e desfazen segundo o ânimo dos seus habitantes”. É ainda “uma cidade com música, a música que sai da terra e que chega pela língua do mar, trazendo palavras novas”.
É este trabalho de perpétua renovação de um fundo territorial e anímico aquele a que Kepa Junkera se dedica em “bilbau 00:00h”. todos os que tiveram a oportunidade de escutar este músico (ao vivo, no Intercéltico deste ano, como convidado dos La Musgana ou em colaboração com o português Júlio Pereira, em “Lau Eskutara”) verificaram que Junkera está longe de ser um ortodoxo, sendo a sua atitude a do “virtuose” que procura alargar tanto as fronteiras do seu instrumento, o acordeão diatónico, como das próprias concepções enraizadas na tradição basca.
Neste aspecto, “Bilbao 00:00h” é uma viagem por estilos e encontros vários, com outros músicos e outras tradições que, sabendo manter uma integridade artística intocável, não esconde a sua preocupação em atingir faixas alargadas de mercado. Neste aspecto “Bilbao 00:00h” é um pouco o equivalente basco da “Irmandade das Estrelas” do galego Carlos Nunez, sobretudo pela inimaginável lista de convidados ilustres. A Bilbau chegaram para gravar com Kepa Junkera os canadianos La Bottine Souriante, Justi Vali, de Madagáscar, Jaime Munoz e Carlos Beceiro, dos La Musgana, o próprio Carlos Nunez e outro gigante da gaita galega, Xosé Manuel Budino (juntos no tema “Fasio & lurra-terra”9, Dulce Pontes, Paddy Moloney, dos Chieftains e Ibon Koteron (mago da “alboka”, instrumento de sopro tradicional do País Basco, com a forma de corno). Mas há mais: Phil Cunningham, dos escoceses Silly Wizard, Luis Delgado, Mairtin O’Connor (outro mago do acordeão, este irlandês), Liam O’Flynn, o prodigioso executante de “uillean pipes” e um dos fundadores dos Planxty, Alasdair Fraser, Luis Pastor, Javier Paxarino e a instituição basca, Oskorri.
Destaque para a participação de Anders Stake, Hallbus Totte Mattson e Björn Tollin, ou seja, os Hedningarna, que conferem um “swing” infernal, através das suas sanfonas e gaita sueca, a “Bok-Eskop”. Kepa Junkera e Mairtin O’Connor dialogam numa valsa basco-irlandesa sobrevoada pela flauta de Phil Cunningham, em “Muskerraren balsa & La balso de Combouscuro”. E que delícia escutar o timbre e modulações das “uillean pipes” de Liam O’Flynn, e da gaita galega de Xosé Manuel Budino, respectivamente, em “Gesala” e “Gaztelugatxeko martxa”. “Falyfaly”, a abrir o segundo disco, apresenta uma sucessão de solos por Justin Vali (valiha), Mairtin O’Connor (acordeão), Carlos Nunez (flauta), Alasdair Fraser (violino), Phil Cunningham (acordeão), Béla Fleck (banjo), Michel Bordeleau (sapateado) e Yves Lambert (voz).
África, País Basco, Irlanda, Escócia, França e Galiza juntam-se para formar uma nação de novos sons. “A que é que podemos chamar ‘nosso’?”, pergunta Kepa, a propósito deste tema, respondendo em seguida: “Ao que faz reconhecermo-nos a nós próprios em cada coisa.”
“não há maior alegria”, cita, “do que comprovar as semelhanças entre dois estrangeiros”. Eis anunciada a nação da verdadeira “world music”, não como uma sopa sem coração nem cabeça, mas como lugar de diálogo e de partilha de diferenças que bailam entre si.
“Bilbao 00:00h” é uma impressionante paleta de paisagens sonoras, nas quais cada formação instrumental determina o respectivo estilo e ambiente. Não se trata, em qualquer caso, de um disco de música tradicional (embora os veios mais fundos da tradição estejam presentes…), mas de uma exploração dos seus limites e do seu correspondente imaginário contemporâneo, através de desenvolvimentos formais em que o termo “fusão” não se torna descabido.
É sobretudo ao nível rítmico que Kepa Junkera mantém essa ligação a um registo étnico, basco ou não, sobre o qual se sobrepõem os códigos de geografias e discursos estéticos tão díspares como os atrás enunciados. “Bilbao 00:00h” consegue esse prodígio de unificar um mundo de corrdenadas musicais que aqui se acolhem sob a universalidade da cidade de Bilbau e dessa sua permanente respiração vivificada por diversas culturas. Kepa Junkera ganhou uma aposta arriscada, conseguindo com “Bilbao 00:00h” uma proeza atlética de monta. A edição do disco é apresentada sob a forma de livro, com imagens e textos que completam, da melhor forma, a diversidade da música.

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