Júlio Pereira – “Amanhã, Às 22h00, No S. Luiz – Júlio Pereira Em ‘Tempo Real'”

cultura >> sexta-feira >> 04.06.1993


Amanhã, Às 22h00, No S. Luiz
Júlio Pereira Em “Tempo Real”


Parece mentira mas é verdade. Para Júlio Pereira, o homem do cavaquinho, da braguesa e, mais recentemente, do bandolim, o concerto agendado para amanhã no teatro S. Luiz será a sua primeira apresentação a solo, na capital. Marcando o que parece ser uma viragem na sua música, fruto de “uma vontade enorme de tocar em tempo real, com músicos de carne e osso”.



Os ensaios a que o PÚBLICO assistiu, no Teatro S. Luiz, dão-lhe razão. Fazendo-se acompanhar por Moz Carrapa, na guitarra acústica, e Minela, uma das grandes vozes femininas da música popular portuguesa, também no sintetizador, Júlio Pereira liberta-se aos poucos da tirania do computador – “há seis meses que ando a libertar-me dele” – omnipresente em gravações recentes como “Janelas Verdes” e “O Meu Bandolim”.
O que vem uma vez mais mostrar a diferença que existe entre o Júlio Pereira fechado entre as quatro paredes do – “fartei-me de ficar em casa a fazer discos sozinho” – e o mesmo Júlio Pereira que em palco vive a música com entusiasmo e a alegria de “absolute beginner”, mostrando o prazer que lhe dá o acto de tocar. Neste caso apenas o bandolim, ligado a um módulo de efeitos que lhe permite, por exemplo, entrar em diálogo consigo próprio graças à técnica do “delay”. E, por consequência, o “regresso” a um som mais acústico, acompanhando uma tendência geral do que se passa lá fora mas que por cá só agora se faz sentir, em virtude da não existência de qualquer escola musical”.
Para o S. Luiz estão prometidas novidades e algumas composições novas mas Júlio Pereira optou por não as revelar, guardando surpresa sobre o que irá acontecer. Ao certo, a estrutura do concerto poderá ser encarada como uma revisão actualizada da sua carreira, desde os tempos de “Cavaquinho” até aos sons recentes do “seu bandolim” – um “Júlio Pereira 93”, diz o próprio a sorrir. Mas a audição, durante os ensaios, de temas de José Afonso, alados na voz sem mácula de Minela ou um improviso sobre um tema de Bach, permite concluir que o espectáculo de amanhã, segundo um formato mais “próximo da música de câmara”, será algo mais que uma simples cronologia de canções. Júlio Pereira vai mais longe. A intuição diz-lhe que se trata de “um pontapé de saída para qualquer coisa de diferente” no seu já longo percurso de intérprete e compositor. Por agora deixa-se levar pelo gosto de tocar ao vivo com outros músicos. Na calha estão já próximas actuações no Canadá, em Toronto, na Galiza, em Santiago de Compostela e nos Açores, durante os meses de Verão.
Além do “homem das sete cordas”, uma figura feminina vestida de negro, postada diante de um sintetizador, chamava as atenções, do lado esquerdo do palco. A Minela, cantora que desde há alguns anos vem acompanhando Júlio Pereira, cabe uma quota parte importante na peça sonora que se vai desenrolar amanhã. É ela quem tece no sintetizador o ambiente de cada canção. É dela sobretudo uma voz que se ergue e nos espanta. Uma voz que cada vez mais sentimos necessidade de escutar noutros contextos, um pássaro que gostaríamos de ver voar por outros céus. O falado, quase segredado, projecto de Minela com Teresa Salgueiro, Filipa Pais e a galega Uxia não consegue passar das intenções. Tem havido troca de impressões, todas se mostram interessadas mas nenhuma se atreve a dar o primeiro passo. A cantora galega é das quatro quem se tem empenhado mais em levar a ideia por diante. E as portuguesas, têm medo? Minela refugia-se dizendo que “tem que ser uma coisa muito bem pensada, que tenha qualidade”. Júlio Pereira, passa por ela, ri-se e dispara: “o que prova que os galegos têm mais garra do que nós!”

Wire – “The A List”

pop rock >> quarta-feira >> 02.06.1993


Wire
The A List
CD Mute, distri. Edisom



Aqui está uma maneira prática e original de organizar uma colectânea: pedir a um grupo de amigos (a lista consta na capa, não vá alguém pensar que foi simulação…) que escolhesse e pontuasse de 1 a 16 valores as melhores 16 canções do grupo. Depois foi só somar os parciais e ordenar a selecção final. Ganhou “Ahead”, com 465 pontos, seguida de “Kidney bingos” com 389, e “A serious of snakes”, com 366. A capa fornece a lista total das 82 canções, incluindo, claro, as 16 “melhores”, com as indicações das respectivas proveniências. Ideia engraçada que serve para recordar alguns bons momentos de uma banda que cobriu de betão a música pop e que soube explorar, por vias paralelas dos seus membros, a faceta mais experimental da sua música. Pena é que o júri se tenha lembrado apenas dos álbuns mais recentes, deixando de lado aquele que fica talvez como o melhor álbum de sempre dos Wire, “154”. Número esquecido neste jogo de números. (6)

Popol Vuh – “Nosferatu”

pop rock >> quarta-feira >> 02.06.1993


Popol Vuh
Nosferatu
CD Mantra, import. Lojas Valentim de Carvalho



Em plena viagem do “Kosmische Rock” alemão empreendida nos anos 70, a música dos Popol Vuh, através das visões orientalistas do seu líder e teclista Florian Fricke, optou pela serenidade de um piano acústico e pela contemplação de uma flor de lótus, em vez dos impulsos electrónicos dos sintetizadores e das guitarras transformados em máquinas de transe. Florian Fricke foi, curiosamente, um dos músuicos introdutores do sintetizador Moog na Alemanha, nos dois primeiros álbuns, “Affenstunde” e “In den Garten Pharaos”. A partir daí, o piano reservou para si o direito exclusivo das orações – até hoje e ao cabo de mais de trinta álbuns, a maior parte dos quais, infelizmente, não resistiu à passagem do tempo. O cineasta alemão Werner Herzog fez dos Popol Vuh compositores oficiais das suas bandas sonoras, de que este “Nosferatu”, subintitulado “On the Way to Little Way”, é exemplo. Predomina a veia mântrica do grupo, presente na combinação “sitar”-tampura-tablas, intercalada por texturas electrónicas reminiscentes das primeiras obras atrás referidas, culminando em coros de “mellotron” e no rock com mensagem mística, rezada alto pela guitarra de Danny Fiechelcher. Mas, como acontece em muitos álbuns dos Vuh, sobressai uma sensação de algo incompleto, como se à música faltasse qualquer coisa. Neste caso, talvez o filme. (6)