Arquivo da Categoria: Funny Electronics

Yello – “Essential Yello”

Pop Rock >> Quarta-Feira, 04.11.1992


A PIADA ASSASSINA

YELLO
Essential Yello
CD, Mercury, distri. Polygram



Não há muitas bandas como os Yello. Misturam tudo. Não respeitam nada. E ainda por cima divertem-se. São dois, suiços, e provaram que a electrónica pode ser uma anedota bem contada. No início, Boris Blank, o mago dos circuitos integrados, e Dieter Meier, o vocalista do bigode que gosta de se passear pelos casinos da Europa, deixaram-se fascinar pelos Residents, os tais americanos de que ninguém conhece os nomes. “Solid Pleasure”, a estreia, gravada no selo Ralph, o mesmo dos criadores de “The Third Reich ‘n’ Roll”, não escondia o fascínio. Depois de um álbum de transição, “Claro que Si”, e outro de excepção e imaginação transbordante, talvez o seu melhor de sempre, “You Gotta Say Yes to Another Excess”, os Yello tornaram-se coqueluche das pistas de dança e a sua música foi-se aos poucos tornando mais previsível. “Stella”, o duplo de remisturas “1980-1985, the New Mix in One Go”, “One Second”, “Flag” e “Baby” inflectiram decididamente na vertente dançante, sem que com isso os Yello deixassem de carregar em força na tecla do humor e da diversidade. “Essential Yello” inclui temas de todos estes discos, considerando como “essencial” precisamente a tal faceta acessível, herdada dos ritmos robóticos dos Kraftwerk e acrescida do “pico” de decadência elegante (e muito europeia) e do espírito de síntese que permite aos Yello condensarem os seus delírios no formato de canções. Opção, discutível e subjectiva como qualquer outra, que talvez se justifique por ter sido essa acessibilidade que projectou a banda na cena internacional. Os Yello juntaram duas atitudes que na aparência se julgaria serem incompatíveis: o experimentalismo e o “kitsch” típico da genuína música de variedades. Nesta dialéctica entre a seriedade (nunca inteiramente assumida, nem sequer no primeiro álbum, em que as pistas já começavam a baralhar-se) e uma ironia muito fina, que abre as portas ao niilismo e à destruição dos lugares-comuns da música popular (e nisto os Yello mostram que aprenderam com os Residents), se joga todo um equilíbrio de formas e conceitos. Eles são diabos disfarçados, “jokers” cómicos e simpáticos, vestidos de muitas cores, como nos vídeos, e de muitas músicas, que assassinam e vampirizam até não lhes sobrar pinta de sangue. Que outra banda, senão os Yello, conseguiria convocar para as suas orgias Frank Sinatra, Bowie, as orquestras de mambo, as bandas “mariachi”, o cha-cha-cha, Kraftwerk, o sado-masochismo, o heavy metal, o som Stax, o disco-sound, o swing, Roxy Music, o tango, Afrika Bambaata, corridas de automóveis, ritmos africanos, Residents, Donna Summer, a voz de um gorila, o “film noir” e um romantismo de puxar às lágrimas? “Essential Yello” é tudo isto a um ritmo desenfreado, presente nalguns dos temas mais populares destes suiços sem fronteiras: “Oh yeah”, “The race”, “Vicious games”, “Tied up”, “Of course, I’m lying”, “Lost again”, “I love you” ou o emblemático “The rhythm divine”, vocalizado por Shirley Bassey e no qual a música dos Yello encontra a sua verdadeira essência. (7)

Yello – “Baby”

Pop-Rock Quarta-Feira, 31.07.1991


A MÁQUINA DO PRAZER

YELLO
Baby
LP / CD, Mercury, distri. Polygram




Entre os passatempos preferidos de Dieter Meier, vocalista de olho azul e ar alucinado do suo suíço Yello, contam-se o circuito regular pelos casinos da Europa e a narração de feitos de um antepassado gorila.
Curiosidades que ajudam a explicar um pouco o carácter lúdico e o humor “nonsense” da música e filosofia do grupo. “Baby” é, até à data, o exemplo mais acessível, mas também mais previsível dos seus métodos e estratégias de sabotagem.
Os primeiros exercícios “Solid Pleasure” e “Claro Que Si” não escondem o fascínio dessa época pela lógica do absurdo e pelas desfocagens estruturais, ao mesmo tempo que revelavam já uma das facetas posteriormente exploradas até à exaustão – a colagem de estilos, a mestria absoluta da electrónica, a construção de cada canção como uma curta-metragem experimental, a tendência para o calor e coloridos latinos (Dieter Meier e Boris Blank cedo deixaram crescer o bigode, o último adoptando a pose de “matador” de olhar “macho” e cabelo empastado em brilhantina).
“You Gotta Say Yes to Another Excess”, tribal até ao absurdo, heterodoxo até à loucura e, ainda por cima, dançável, atinge o apogeu eufórico na arte de conjugação dos extremos, bem expresso na imagem do gorila, “pai do excesso”, que desce da floresta amazónica até ao empedrado de Montmatre. Faltava envernizar o produto e apresenta-lo envolto em roupagens “à la page”, destinado ao consumo nas discotecas. “One Second”, “Flag” e este “Baby” limitam-se a polir as arestas mais cortantes e a exagerar a sedução do cabaré intergaláctico entretanto tornado imagem de marca. Em “Baby” são ainda e sempre o apelo fantasmagórico de Carmen Miranda, o calor dos trópicos, o “filme negro” e a “dolce vitta”, segundo as regras do acaso falseado e os ensinamentos rítmicos dos Kraftwerk. Abandonado o obscurantismo experimental da fase inicial, os Yello transformaram-se numa espécie de máquina de prazer que neste disco continua a trabalhar em pleno, ainda que os mecanismos do seu funcionamento já não sejam segredo para ninguém.
****

Legenda:
. Imperdoável
* Mau Mau
** Vá Lá
*** Simpático
**** Aprovado
***** Único

Felix Kubin – “Tetchy Teenage Tapes”

(público >> y >> pop/rock >> crítica de discos)
28 Fevereiro 2003


FELIX KUBIN
Tetchy Teenage Tapes
Skipp, distri. Matéria Prima
6|10


Vão-se rir mas é verdade: o génio alemão da pop eletrónica com legitimidade para se considerar herdeiro de Holger Hiller gravou “Tetchy Teenage Tapes” quando tinha entre 11 (!) e 18 anos. O Felix actual mostrou, no gozo, à editora as amostras dessas gravações efetuadas num gravador de quatro pistas com um sintetizador, um órgão caseiro, um computador de ritmos e um “dosophon” (set de bateria composto por latas de doces vazias) e que os tipos gostaram. A verdade é que foi graças a este trabalho pioneiro que, por volta de 1983, em plena “neue deutsche welle” (“new wave” alemã), surgiu em Hamburgo um movimento de bandas juvenis “underground” de eletrónica com nomes singelos como Voll Die Goennung, Intensive Styroporsymbole, Rekonstruirtes Relativpronomen e Universum. “Tetchy Teenage Tales” prova, por outro lado, que a eletrónica mais lúdica que hoje se faz pouco evoluiu desde então. Descontando a voz imberbe, as programações-pipoca e melodias arrumadas entre os Yello, os Der Plan e os Human League, é o mesmo Kubin excêntrico que encontramos, com uma frescura que os Nova Huta, Oleg Kostrow e Sergej Auto se encarregaram de dissecar. E o electroclash afinal começou aqui.