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Madredeus – Entrevista – “A Pequena Eternidade”

Sons

3 de Outubro 1997


A pequena eternidade

Há paraísos e paraísos, artificiais e naturais. Paraísos azul-cueca e paraísos de um azul profundíssimo e transparente. Da cor do céu. O paraíso dos Madredeus é o caminho e a viagem em direcção a este azul, num barco capitaneado por Pedro Ayres com a voz de Teresa Salgueiro a servir de farol. “O Paraíso” é, muito provavelmente, o melhor álbum dos Madredeus.


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Pedro Ayres Magalhães, autor da maior parte das palavras do novo álbum dos Madredeus, quando se trata de uma entrevista, usas essas mesmas palavras num registo que, simultaneamente, esconde e revela. Percebe-se no que diz uma corrente oculta, mas ele prefere escudar-se nas alegrias e na luz do mundo e dos feitos materiais. Mesmo assim, à conversa, o tempo parou por um bocadinho.
PÚBLICO – O paraíso fica onde?
PEDRO AYRES MAGALHÃES – É uma ideia com mais de dois mil anos, sobre a qual se construiu a vida da sociedade ocidental. No caso deste disco, trata-se, na canção com este título, de uma utilização muito especial da voz da Teresa, neste caso aproximada dos modelos da música que ouvi durante a minha vida toda, os “blues”, os “slows” das bandas rock, os solos de guitarra, a música ambiental. Pretende-se ainda mostrar um estado de graça absoluta do próprio conceito Madredeus. Neste momento, o trabalho do grupo decorre numa harmonia que eu nunca tinha conhecido antes. Algo que decorre da conformidade das pessoas e da própria carreira do grupo. Uma mistura de convites e oportunidades, uma chuva de pedidos para os Madredeus se apresentarem nos sítios mais incríveis que se pode imaginar.
P. – Como é que se consegue esse estado de graça no meio de constantes digressões?
R. – Utilizando uma metáfora. É como a construção de um barco. O novo reportório é um barco muito mais forte do que aqueles que construímos até agora.
P. – Assume-se neste álbum como o timoneiro desse barco?
R. – Hoje em dia esse meu capitanear está mais do que consagrado, como nunca esteve até agora. Um estatuto criado e suportado pelos outros músicos.
P. – Há alguma unidade conceptual nas 14 canções que compõem o disco?
R. – Uma unidade de intenção. Foram todas compostas para a figura e para a voz da Teresa, por três autores [Pedro Ayres, Carlos Maria Trindade e José Peixoto] que fizeram três digressões mundiais com o grupo e esta proposta de reportório.
P. – Foram gravar a Itália por alguma razão especial?
R. – Aí há duas coisas. Para gravar o disco era necessário não estarmos em Lisboa, onde toda a gente tem muitas solicitações, família, não sei quê. Depois, fui para Veneza por gosto, apanhava o barco todos os dias para ir passar o dia a tocar e voltar de barco para a cama!… Era o único sítio onde eu podia fazer isso [risos]. É uma metáfora!
P. – A luz da cidade influenciou a luz do disco?
R. – Penso que sim, que ajudou muito. Pensei em muitas coisas quando quis ir para Veneza, que era um destino ideal para a tal construção de um barco para viajar. Tornou-se um lugar ideal nos últimos séculos. Um lugar de peregrinação e de sonho da Europa e do resto do mundo. É uma cidade onde foi cultivada a beleza, o requinte, o exagero e a ostentação, expoentes da criatividade.
P. – É claro que o facto de a apresentação oficial de “O Paraíso” ir ter lugar em Sintra não é por acaso…
R. – Claro que Sintra tem uma ressonância simbólica especial. Vamos estar no Palácio da Vila, o palácio real, que ainda por cima é manuelino. Mas se vamos por aí, há mais símbolos… Também preparámos o disco no CCB, na Praça do Império. O primeiro concerto foi em Évora. Posso fazer um guião fantástico das coisas dos Madredeus. Mas esse é um cenário que não é o objectivo. Acontece naturalmente.
P. – Já que falamos de conotações simbólicas, estou a lembra-me de um disco que gravou há muito tempo, intitulado “O Ocidente Infernal”…
R. – Mas é a mesma ideia! Esse disco tinha duas faces, aquilo que era o lado B era a construção do paraíso tal qual eu a vejo hoje. Como no “Espírito da Paz” já existia a preocupação de criar nas pessoas um estado de paz. Neste momento estamos apenas a repetir a mesma ideia que o mundo rico abraçou. Para nós, músicos, é o paraíso termos estes convites, fazermos estes concertos, chegar lá e ver as salas todas cheias.
P. – Então o lado material é o mais importante?
R. – O lado material é o suporte, qual é a dúvida?
P. – Nunca se cansam de estar tanto tempo juntos?
R. – Precisamente, o reportório actual é útil na ultrapassagem do problema da rotina. É mais interessante de tocar, mais ritmado, mais melodioso e mais pulsante do que tudo o que fizemos até agora.
P. – Os Madredeus encontraram a sua forma ideal?
R. – Não foi por acaso que ao saírem os outros músicos eu preferi que ficassem só os que já lá estavam, porque quis trabalhar com veteranos do processo dos Madredeus, com músicos como o Carlos Maria e o José Peixoto, que são meus professores e não meus alunos. Trabalhar com a sensibilidade, a experiência e a sabedoria deles. Foi isso que fiz e que correu bem. Este grupo, nesta altura, é o grupo ideal.
P. – Quando se chega ao paraíso como é que se sai de lá?
R. – Nunca se chega lá. O paraíso é o caminho e a construção de uma imagem… A música dos Madredeus associa-se melhor a este tema do que, se calhar, a outros, como o combate à pobreza. O que nos mobiliza é o chamamento, ou a invocação, das maiores ambições, da maior ambição do homem, que é o paraíso. Mesmo que não tenha a expressão da construção cristã do paraíso, no pós-morte.
P. – O “paraíso” constrói-se em torno da ideia do tempo?
R. – Sim. A espera, a vivência do tempo, o bom tempo.
P. – Com as “coisas pequenas” que cantam no álbum?
R. – Quando olho para trás, para a carreira pública deste grupo – e este grupo foi feito para ter uma carreira pública – muitas vezes encontro grandes parangonas, grandes palavras sobre a música, que às vezes me obrigam a ter uma relação um pouco extraordinária com as pessoas com quem falo. “Coisas pequenas” é uma canção de amor em que uma mulher diz ao seu amante que não são só coisas pequenas que podemos dar uns aos outros, mas que quando damos coisas grandes é preciso ter a certeza que estamos a dar. É outra metáfora sobre a própria carreira do grupo. Identifico os Madredeus com um caminho lento de aperfeiçoamento.



Maura O’Connell – Entrevista –

Sons

29 Agosto 1997

Lar doce lar

Maura O’Connell nunca se considerou uma cantora tradicional, embora tivesse feito parte dos De Danann. Um almoço glorioso e uma sessão de canto numa quinta com Dolores, Rita e Sarah Keane contribuíram para a gravação do seu novo álbum, “Wandering Home”, a descoberta da alma irlandesa e do caminho de regresso para casa.


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Da Irlanda para a América e de novo para a Irlanda é o percurso desta cantora que, juntamente com Dolores Keane – que considera a maior – e Mary Black, é uma das maiores vozes irlandesas da velha guarda. Depois de uma passagem pelos De Danann, dedicou-se a cantar autores contemporâneos, como Richard Thompson, no novo álbum “Wandering Home”, que interpreta com o histrionismo de uma verdadeira atriz.
PÚBLICO – “Wandering Home” é um retorno às suas origens irlandesas, diferente dos seus álbuns anteriores, onde interpreta temas de vários compositores e o som é mais americano…
MAURA O’CONNELL – Como eu, há muitas pessoas que viajaram pelo mundo e se interessaram por outras músicasm além da do seu país natal. Habituamo-nos de tal forma à música que nos está mais próxima que a tomamos como algo natural, sem a valorizarmos o suficiente, ao ponto de acharmos mais interessante o que ouvimos lá fora. Até que chega um dia em que nos apercebemos da sua beleza, quase como turistas. Na verdade, nunca prestara atenção suficiente à música irlandesa, mesmo nos dois anos em que estive nos De Danann, a única experiência que tive com a música tradicional.
P. – Na contracapa do disco refere, como uma das razões que a levaram a esta aproximação, o ambiente familiar da sua infância, passada na casa em Ennis…
R. – Sim, mas em minha casa os meus pais ouviam sobretudo ópera, por isso não se pode dizer que tenha crescido a ouvir música tradicional, como aconteceu, por exemplo, com Dolores Keane. É verdade que este disco é um regresso a casa, mas nos meus álbuns anteriores já havia temas irlandeses, embora contemporâneos, canções de Paul Brady ou de Gerry O’Beirne. Nunca me senti uma cantora tradicional, falta-me a naturalidade. Considero-me antes uma cantora que canta o que quiser.
P. – Falou em Dolores Keane. Nas notas de capa menciona também uma tarde memorável passada com ela e com as suas tias, Sarah e Rita, determinante na gravação de “Wandering Home”…
R. – Foi um dia mágico, num Verão em que não parou de chover na Irlanda. Mas este foi diferente, maravilhoso. Elas vivem numa quinta antiga, no condado de Galway. Estavam lá 30 ou 40 pessoas, a equipa toda da digressão. Ofereceram-nos um almoço magnífico e, a seguir, começaram a cantar, com toda a naturalidade. Já as conhecia antes, elas são famosas nos círculos tradicionais, mas foi a primeira vez em que a sua música me afetou profundamente. Não sei se por causa da informalidade da situação, a simples visão de as ver cantar. Fiquei completamente apaixonada pelo som e pelo sentimento. Para algué, como eu, que sempre gostou de música soul americana, impressionou-me a alma com que as duas cantavam. Abriram-me os olhos. Percebi que também havia soul na música irlandesa.
P. – Por que razão foi viver para Nashville?
R. – Os meus interesses estiveram sempre voltados para a música americana. Mas nos anos 80 a minha carreira desenvolveu-se na Irlanda, depois de deixar os De Danann, quando comecei a gravar os primeiros álbuns a solo. Acontece que a Irlanda é um país demasiado pequeno para albergar a quantidade incrível de cantoras tradicionais que lá existem. Depois, fiz muitos amigos na América, como o meu produtor Jerry Douglas, que me fazem sentir muito bem aqui. E o meu marido é americano. Tenho sorte em poder trabalhar também na Irlanda, como no projeto “A Woman’s Heart”.
P. – O que pensa desse projeto?
R. – Vendeu milhões. Foi aquele que obteve mais sucesso, de todos aqueles em que me envolvi. Um encontro das cantoras mais velhas, como Dolores Keane, Mary Black e eu, com as mais novas, Frances Black e Eleanor Shanley.
P. – A propósito, que opinião tem de Dolores Keane, a cantora que a antecedeu nos De Danann?
R. – Dolores é a rainha. Em absoluto, a melhor cantora de todas.
P. – É ou era?
R. – Bem, ainda acredito que, numa noite boa, Dolores não tem rival. Lembro-me de a ver, há uns anos, em frente ao microfone, era como se a música viesse diretamente da terra.
P. – Voltemos a sua casa e à música que ouvia…
R. – Que não era tradicional, mas do tipo de ópera ligeira, como algumas das canções deste álbum, “I hear you calling”, composta por John McCormack, ou “Down by the Sally gardens”, em oposição ao registo mais tradicional de “Down the moor”, por exemplo, que surgiu da audição da música dos De Danann e de outros grupos dos anos 70. Mas a minha memória está mais povoada com coisas do estilo de “lullabies” de Brahms…
P. – O álbum dos De Danann em que participa como vocalista principal é “The Star Spangled Molly”. A seguir abandonou o grupo. Porquê?
R. – Como já disse, nunca me considerei uma cantora tradicional. Eles dizem que me convidaram depois de me terem ouvido cantar num bar, numa festa. Eu acho que foi por o empresário deles me conhecer… Fui a primeira cantora a cantar com eles depois de Dolores Keane, que esteve com o grupo por volta de 1974, 1975. Após uma fase com cantores masculinos surgi eu, iniciando-se um período de dez anos dos De Danann com vocalistas femininas. O convite inicial era para os acompanhar durante seis semanas numa digressão pela América. Disse-lhes que não conhecia nenhuma canção tradicional, mas para eles estava tudo OK. O que eu fazia nessa altura, e continuei a fazer depois de sair do grupo, era cantar canções de autores de que gostava, como Bonnie Raitt, Emmylou Harris, “Mississipi” John Hurt, velhos blues.
P. – Mas nesse disco canta praticamente só tradicionais…
R. – Sim, mas a verdade é que o único tema vagamente tradicional que trouxe comigo quando entrei para o grupo era “Maggie”, escrito em Chicago em 1850, que um amigo meu tocava na guitarra como um blues urbano. Isto para se perceber que a maior parte dos temas de “The Star Spangled Molly” foram compostos ou compilados na América, embora toda a gente os tenha aceite como canções irlandesas.
P. – A era dos chamados “Dias da rádio”, que dá uma atmosfra especial a esse disco e que também está presente neste seu novo álbum numa canção como “I hear you calling”, não é verdade?
R. – Precisamente. John McCormack, um tenor, cantava esse tipo de reportório. Toda a gente fala dos tenores irlandeses, ele era “o” tenor irlandês. Esta era também a música que ouvia em casa dos meus pais, mas quando se é novo não se quer saber da música que os pais ouvem. Há uns anos comprei uma série de CD de McCormack e foi aí que descobri essa canção, composta em 1926.
P. – Antes de “The Star Spangled Molly” já tinha cantado noutro álbum dos De Danann, “Anthem”, numa versão de “Let it be” dos Beatles…
R. – As vozes principais pertenciam a Mary Black e Dolores Keane. Eu fazia apenas o coro. Não cantei em mais nenhum álbum dos De Danann.
P. – Não é verdade. Canta na última canção de “Song for Ireland”, “Barney form Killarney”…
R. – Canto o quê? Não canto nada, não sou eu!
P. – Temos o disco à nossa frente, onde podemos ler “voz de Maura O’Connell”. E ouve-se, de facto, uma voz feminina…
R. – Não pode ser! Tenho que receber os direitos de autor! [risos]
P. – A sua carreira construiu-se, a partir dos De Danann, na América e em Nashville, onde coheceu e colaborou com os New Grass Revival. Isso não a afastou do público irlandês?
R. – Nunca me procupei com isso. Volto a frisar o facto de que nunca fui uma cantora tradicional. O que fiz depois de sair do grupo foi continuar o que já fazia antes. Na Irlanda, apenas meia dúzia de pessoas é que me iria ver num clube folk qualquer. Em Nashville, pelo contrário, logo o primeiro álbum que gravei a solo foi disco de ouro.
P. – Fez parte dos De Danann, mas neste álbum colabora com Donal Lunny e canta um tema de Paul Brady, que pertenceram ambos aos Planxy…
R. – Certo. Paul Brady nasceu, como eu, no condado de Clare. Donal Lunny, que também pertenceu aos Bothy Band, é um tipo formidável. Um dos melhores. A única coisa que tive de fazer foi cantar. O álbum foi gravado em oito dias, um dos mais fáceis da minha carreira e, sem dúvida, o que meu deu maior prazer.
P. – Há no nov álbum uma canção, “Down where the drunkards roll”, de Richard Thompson, onde a tragédia se escreve como um épico. Por que a escolheu, tendo em conta que, como já disse numa outra sua entrevista, gosta de vestir a pele das personagens que canta, assumindo o lado mais teatral da música?
R. – É uma “killer song”. Já a cantava mesmo antes de entrar para os De Danann, com Mike Hanrahan, dos Stockton’s Wing, que são da mesma região que eu, Ennis, com quem formei um duo chamado Tumbleweed. Há anos que a queria gravar, a dúvida estava em onde a encaixar. Finalmente acabei por incluí-la neste álbum irlandês. A minha tarefa é fazer as pessoas sentirem a mesma emoção que eu sinto quando ouço pela primeira vez uma canção. Como um ator que entra na personalidade da personagem, quer se trate de alguém com o coração destroçado ou de alguém que se sente feliz.

Segredo Dos Deuses / Grupo De Inês Santos / Inês Santos – Entrevista

Pop Rock

12 Março 1997

Grupo de Inês Santos estreia-se em disco

Guardadores de rebanhos

Durante dois anos, na “Garagem”, em Coimbra, mantiveram a música no segredo dos deuses. A designação ficou, num disco de canções intimistas com a poesia de Florbela Espanca e Fernando Pessoa e a voz de uma Inês Santos, vencedora da Chuva de Estrelas, liberta da crisálida de Sinead O’Connor.


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Deixou de ser segredo. O Segredo dos Deuses é o nome do grupo e de um álbum de estreia onde a voz de Inês Santos – vencedora em 1995 do concurso televisivo de descoberta de novos talentos Chuva de Estrelas – é o alvo das atenções. Ela a o baterista Nuno Pinto falaram ao PÚBLICO do prazer que sentiram nesta sua primeira gravação. O terceiro elemento presente, o guitarrista Francisco Caetano, falou que se fartou…
PÚBLICO – Depois da vitória no Chuva de Estrelas, seria de esperar uma opção por uma carreira a solo. Mas, ao invés disso, acabou por gravar integrada num coletivo. Porquê?
INÊS SANTOS – Já conhecia os cinco elementos do grupo que, aliás, já existia antes, os Euterpe. Decidi convidá-los quando o Tó Zé, da BMG, me convidou, por sua vez, para fazer o disco, ganhasse ou não o Chuva de Estrelas. Significa que este disco não é o do prémio do concurso. É outro contrato.
NUNO PINTO – Além de que, durante o tempo que estivemos a trabalhar neste projeto, na “Garagem”, a arranjar as músicas, verificámos que existiu uma envolvência grande entre nós os seis. Não faria sentido o disco sair em nome da Inês Santos.
P. – Os Euterpe perderam a sua autonomia…
N.P. – Foi um risco, obviamente. Quando entrámos no projeto sabíamos que isso iria acontecer e vai continuar a acontecer. Mas aceitámos de bom grado, não queremos notoriedade. O grupo até já tinha ido ao Rock Rendez-Vous. Quando demos início a este projeto, é claro que tivemos de começar a fazer música direcionada para a voz da Inês.
P. – O facto de a Inês ter ganho o concurso trouxe vantagens para a sua carreira ou, pelo contrário, poderá de futuro constituir um entrave?
I.S. – A curto e médio prazo representa uma dificuldade. A longo prazo deixa de o ser, passando a ser uma facilidade, porque as pessoas irão deixando de me conhecer como a Sinead O’Connor.
P. – De resto, a sua imitação da cantora irlandesa não tem nada a ver com os registos vocais em que canta neste disco…
I.S. – Sim, tem muito pouco a ver, realmente. Considero que nem sequer fiz uma boa imitação. Fiz uma boa interpretação, mas a voz que estava lá era a minha. Mas no CD nota-se uma grande diferença. Eu sou mezzo soprano e o meu registo é bem, bem agudo. O que eu queria ser é cantora lírica. Tem tudo a ver com a minha formação clássica de Conservatório.
P. – Um registo e um timbre que num tema como “Fugaz” lembram bastante Annie Haslam, a cantora de um grupo de rock sinfónico dos anos 70, os Renaissance.
I.S. – Tem graça, sempre que canto esse tema lembro-me da Viviane, dos Entre Aspas…
P. – O disco insiste na tónica do intimismo e de algum secretismo.
I.S. – O que está lá é tudo natural. Vem bem do fundo de cada um de nós. Não foi propositado fazer mistério ou mostrar essa intimidade. O nome tem a ver com a maneira como tudo se passou, em que estivemos dois anos na “Garagem”, uma sala de ensaios em Coimbra, sem ninguém conhecer as músicas, sem ninguém entrar lá dentro. Foi tudo com muito segredo… Mas as composições e as letras também têm misticismo.
P. – Foi por isso que utilizaram poemas de Fernando Pessoa e Florbela Espanca?
I.S. – São dois dos grandes poetas portugueses e dois dos nossos grandes ídolos. A primeira música que o grupo me apresentou foi, precisamente, “Se tu viesses ver-me”, com poema de Florbela Espanca. Foi o grande impulso.
P. – Em termos musicais, nunca se afastam muito desse registo. Não quiseram arriscar?
N.P. – Não houve a preocupação de fazer uma coisa comercial, com um “single” para passar na rádio. Apenas fizemos as músicas e as letras da maneira que gostamos. Com grande responsabilidade e apoio, nos arranjos e na produção, de Fernando Júdice.
I.S. – A minha irmã diz que é um daqueles discos de que se aprende a gostar. Não é um disco imediato. Há uma homogeneidade, um todo que queremos mostrar às pessoas.
P. – Quando é que pensam mostr-alo ao vivo?
I.S. – Estamos a trabalhar com a União Lisboa na marcação de espetáculos. Temos marcados para Março, incluindo uma apresentação em Coimbra, no dia 21, no Scotch.
P. – Há alguma canção de “Segredo dos Deuses” que lhe tivesse dado especial prazer cantar?
I.S. – Todas têm a ver comigo. Mas talvez haja uma especial, “Nos céus de Coimbra”, porque é uma homenagem à cidade onde crescemos e vivemos. Convidámos cinco músicos, na guitarra da Coimbra, viola, teclas e ainda uma voz característica de Coimbra.
P. – O tal intimismo que atravessa todo o disco foi induzido pelo ambiente da cidade?
N.P. – É capaz. Não de uma forma consciente, mas é verdade que não somos indiferentes a uma certa nostalgia.
P. – O Francisco tem alguma coisa a acrescentar?
FRANCISCO CAETANO – Até agora eles não têm falhado… Tenho estado atento para ver se não dizem nenhuma asneira. Mas não, esteve tudo correto.