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Vários – “Ambiances – Musiques D’Un Nouvel Âge”

pop rock >> quarta-feira >> 12.05.1993


Vários
Ambiances – Musiques D’Un Nouvel Âge
CD The Label, import. Lojas Valentim de Carvalho



Que há de comum entre os Madredeus, Evan Lurie, Abed Azrié, Miles Davis, Brian Eno e Philip Glass? Resposta: rigorosamente nada. Não é essa, contudo, a opinião da editora “editora”, para quem os nomes citados encaixam na grande prateleira das “músicas de uma nova cidade”. “Ambiances” recupera o conceito dos “superêxitos” para contexto da “new age”, neste caso sinónimo de tudo o que não é pop, nem rock, nem facilmente catalogável. Bem entendido, os nomes recrutados para este exercício de vender “o novo” sob as roupagens comercialmente apelativas não têm culpa. Partindo do pressuposto de que a música foi usada à revelia dos seus autores. E é claro que a especificidade de cada uma destas estéticas, tão afastadas na forma e no conteúdo, perde-se por completo nesta operação de tudo querer reduzir a músicas “de ambiente”, o que, de resto, com uma ou outra excepção, elas não são. Depois, o risco que poderia envolver uma compilação de artistas conotados com a “vanguarda” acaba por ser reduzido, já que a maioria deles tem uma aceitação razoável em França, país onde foi posta em prática esta ideia luminosa. Assim, “Ambiances” acaba por ser um desfolhar de catálogo, onde os portugueses Madredeus, de “O pastor”, cedem o lugar a Brian Eno e a um tema retirado de “Before and After Science”, e este ao sírio Abed Azrié que, por sua vez, antecede o execrável Andreas Vollenweider com a sua música vómito-cósmica de supermercado. Igualmente de um mau gosto a toda a prova é a pavana de plástico de Philippe Eidel, um músico que fez parte dos Taxi-Girl e dos Indochine e que participou na gravação de “The Mahabharata”.
Os minimalistas fazem-se representar por Michael Nyman, com um extracto de “A Zed and Two Naughts”, Philip Glass com um velhinho pedaço de “North Star”, infinitamentre melhor que as mega-óperas da actualidade, e Wim Mertens com um belo exercício dos Soft Veredict, “Struggle for pleasure”. Evan Lurie interpreta um dos habituais tangos e Miles Davis cinco minutos de génio, em “Miles”. Especiosas são as contribuições de Gabriel Yared e o “bibelot” da praxe de Pascal Comelade, aqui numa “Promenade des schizophrènes”. Mais pop, Durutti Column e o frncês Jean-Louis Murat não detoam. Goran Bregovic, autor da banda sonora de “O Tempo dos Ciganos” , de Emir Kusturica, utiliza samplers de vozes étnicas, e as “Voix Bulgares” em carne e osso apresentam a música étnica genuína. No final, entre tanto ambiente, tanto futurismo, apetece escolher o que não consta na lista. (6)

Chris Cutler & Lutz Glenadien – “Domestic Stories” + Fred Frith & François-Michel – “Pesenti Helter Skelter”

pop rock >> quarta-feira >> 21.04.1993


Chris Cutler & Lutz Glenadien
Domestic Stories (8)
CD Recommended, import. Contraverso
Fred Frith & François-Michel Pesenti
Helter Skelter (6)
CD Rec Rec, import. Contraverso



Em pleno período dourado da música progressiva, um grupo inglês lançava as bases de um movimento que influenciou o panorama da música alternativa feita na Europa nas duas décadas seguintes: Henry Cow. Dele faziam parte um guitarrista de génio, Fred Frith, e um percussionista-teórico alucinado, Chris Cutler. Na editora-distribuidora Recommended, que o segundo dirige actualmente, desenvolveram uma atitude e uma estética de ruptura que aliava a revolta (e a politização) do “free” à música de câmara europeia e ao dodecafonismo, cedo perfilhadas por um número razoável de outros grupos que até hoje vêm enxertando novos ramos no tronco original.
Posteriormente aos Cow, Chris Cutler tomaria a liderança, estética e teórica (sobretudo a partir de “Winter Songs”), no projecto consequente, Art Bears. A partir daí e até hoje, os dois não cessaram de cruzar os respectivos caminhos. Fred Frith, um pouco perdido após a debilidade da banda sonora “The Top of his Head” e desde que alinhou ao lado de John Zorn nos Naked City. “Helter Skelter”, um bom esforço de recuperação, embora longe das obras capitais “Gravity”, “Speechless” e “The Technology of Tears”, é a partitura adaptada de uma ópera de François-Michel Pesenti sobre a violência urbana, a alienação e o fim dos tempos. Dividida em duas partes distintas, “Qui peut m’aider?” e “La salle des adieux”, conta com a prestação instrumental do grupo francês Que D’la Gueule. Da colaboração nasceu um híbrido Henry Cow mais This Heat mais Diamanda Galas acorrentada que radica sem grandes rasgos no típico som Recommended. Radical para os que o desconhecem. Trivial e um pouco maçudo para os “habitués”.
“Domestic Stories” é outra história. Na boa companhia de Frith, o anarco-saxofonista Alfred Harthd e da cantora Dagmar Krause, Cutler volta a embrenhar-se em textos herméticos, entre a mitologia, a catarse mágica e a descrição do vazio existencial dos tempos modernos, em múltiplos diálogos/enredos com as sequências musicais compostas por Lutz Glandien que privilegiam o contraste e a alternância de linguagens. “Free rock”, jazz mutante, alucinação conceptual, pouco importam as definições. Chris Cutler, a cada novo projecto em que se envolve, insite em desestabilizar, contornar o óbvio e avançar perspectivas inusitadas. “Domestic Stories”, parecendo impenetrável a uma leitura racional, obedece contudo a uma estratégia definida desde cedo por Cutler, de redescoberta e codificação de lógicas outras. Simultaneamente ancestrais e revolucionárias.

Peter Hammill – “The Noise”

pop rock >> quarta-feira, 07.04.1993


Peter Hammill
The Noise
CD Fie, distri. Megamúsica



O principal problema de Peter Hammill será talvez o de ter dito tudo cedo de mais. Compositor, vocalista e guitarrista carismático dos Van Der Graaf Generator, da estirpe dos resistentes dos anos 70, poeta da língua inglesa, que utilizou para rasgar os interiores da alma humana, Hammill experimentou os limites da pop em álbuns como “The Least We can do is Wave to Each Other”, “H to He, who am the only one”, “Pawn Hearts” (um dos melhores álbuns de sempre da música popular), “Godbluff”, “Still Life”, todos ainda com a banda e, já a solo, “Chameleon in the Shadow of the Night”, “The Silent Corne rand the Empty Stage”, “In Camera” (monumento solitário equiparável a “Pawn Hearts”), “The Future Now”, “PH7” e “A Black Box”.
Os anos 90, contudo, ultrapassaram-no. Remetido ao estatuto de autor de culto, Hammill tem vindo a assinar álbuns que procuram, sem grande sucesso, recuperar o fogo perdido. Posterior a “Fireships”, um bom álbum de canções onde a serenidade predomina, “The Noise” inflecte na direcção oposta, no rock de batida dura, o que, à partida, poderia indicar uma filiação na rebeldia de “Nadir’s Big Chance”, a bíblia dos adolescentes “punks” com algo mais na cabeça que gel e alfinetes. Nada mais falso. Peter Hammill não consegue sair do beco dos seus fantasmas pessoais, repetindo fórmulas mil vezes usadas, e com maior imaginação, em ábuns antigos. “Nadir’s Big Chance” pegava fogo ao instituto mental. “The Noise” é um estertor preso por guitarras eléctricas, de um poeta perdido no labirinto da sua própria inspiração. Não é um may álbum. Peter Hammill não é capaz de tal. Mas limita-se a marcar passo. “The noise is with me still”, canta ele em “The noise”, “I loved the noise / though now it’s gone / some glorious echoes of the noise still linger on.” No meio de ruído de estática. Peter Hammill procura a sintonia com o final do século. (6)