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Laurie Anderson, Sérgio Godinho, Bob Dylan – “Três Maneiras De Escrever Uma Canção”

cultura >> quarta-feira, 23.06.1993


Três Maneiras De Escrever Uma Canção

LAURIE ANDERSON e Sérgio Godinho asseguram a primeira parte do espectáculo de Bob Dylan a 10 de Julho no Coliseu do Porto e a 13 no Estádio do Restelo, em Lisboa. O concerto de Dylan no Coliseu do Porto contará apenas com a presença do autor do álbum “Tinta Permanente”. Uma dupla de “escritores de canções”, diferentes no estilo, juntos pela primeira vez para contarem as suas histórias de hoje e de sempre. Dylan, o mítico “cantor de protesto” dos anos 60, cuja mensagem cabou por ser “levada pelo vento” e que recentemente regressou às origens da música rural americana, no álbum “Good as I Been to You”; Sérgio Godinho, o cronista do quotidiano e dos sonhos da pequena e média burguesia portuguesas.
Mais amplo é o uso que Laurie Anderson faz das palavras. Servindo-se da electrónica como filtro transformador da voz e dos sons produzidos pelo próprio corpo, a poetisa, compositora, violinista e “performer” esculpiu os sinais e paisagens interiores das grandes metrópoles norte-americanas em álbuns como “Big Science”, “Home of the Brave”, “Strange Angels” ou a mega-antologia “United States”.

Whippersnapper – “Folk-Rock No S. João Do Porto”

cultura >> quinta-feira, 10.06.1993


Folk-Rock No S. João Do Porto

OS WHIPPERSNAPPER, trio constituído por Chris Leslie, Martin Jenkins e Kevin Dempsey, actuam amanhã e na sexta-feira na Ribeira do Porto, em espectáculos integrados nas festas de S. João, iniciativa do pelouro de animação da cidade, com produção e organização da MC – Mundo da Canção. É o regresso do humor e do virtuosismo que a banda já dera a conhecer nas suas duas anteriores visitas a Portugal: em 1991, nos Encontros Musicais da Tradição Europeia, e, no ano seguinte, a solo, nos “Circuitos” que complementavam esse festival.
De então para cá a música do grupo ganhou consistência e reconhecimento público, passando do estatuto de banda de culto – para o qual muito contribuiu a presença, na formação inicial, do mestre do violino, ex-Fairport Convention, David Swarbrick – para nome de cartaz no carrossel de festivais Folk internacionais.
Chris Leslie assume hoje o papel de violinista principal numa proposta que se mantém intacta desde o início, na qual os instrumentos de corda são os principais protagonistas: além do violino, o bandolim, a mandola, o mandocelo e a guitarra. Ultimamente, o sucesso e consequente alargamento de audiências levaram a que a electrização do som se fizesse sentir comm maior intensidade, através da inclusão, na paleta instrumental, do sintetizador e de um violino eléctrico.
Nas suas anteriores passagens por Portugal, os Whippersnapper deixaram a imagem de um grupo de “virtuoses” sem pretensões, que intercalava um “tour de force” das cordas ou a repescagem de tesouros antigos desenterrados dos tempos em que Jenkins e Dempsey ajudaram a implantar o Folk Rock em Inglaterra, nos Dando Shaft, com uma anedota ou um comentário bem humorado sobre cada canção.
Hoje como ontem, os Whippersnapper prosseguem viagem pelas margens da música tradicional inglesa, sem grandes preocupações em deixar marcas de reconhecimento. A revista americana da especialidade “Frets” definiu-os uma vez nos seguintes termos: “Just your typical everyday original new acoustic traditional british ethnic multi-instrumentalboedown rock folk band.” O que, traduzido por miúdos, significa bons momentos de música e de gozo em perspectiva.

Júlio Pereira – “Júlio Pereira Estreou Novo Espectáculo Em Lisboa – A Matemática Do ‘Swing'”

cultura >> segunda-feira >> 07.06.1993


Júlio Pereira Estreou Novo Espectáculo Em Lisboa
A Matemática Do “Swing”


Para Júlio Pereira, o concerto de sábado, no Teatro S. Kuiz, em Lisboa, representava a sua estreia a solo na capital. Ultrapassada uma fase inicial de algum nervosismo, o bandolim disparou para uma actuação brilhante, num recital de intuição e virtuosismo. Só a voz de Minela pecou por falta de discrição.



A responsabilidade era muita. A assistência não tanto, mas mesmo assim suficientemente numerosa para compor a sala e testemunhar o novo projecto ao vivo de um dos grandes instrumentistas de música popular portuguesa da actualidade. Acompanhado por Moz Carrapa, antigo elemento dos Salada de Frutas, na guitarra acústica, e por Minela, voz e sintetizador, o autor de “O Meu Bandolim” percorreu fases diversas do seu reportório, dos tempos de divulgação do cavaquinho até ao período recente de vassalagem ao bandolim, único instrumento que tocou ao longo da moite.
Excelente na técnica de “rasgar” e no dedilhar das cordas, Júlio Pereira soube precaver-se contra o perigo do mero exibicionismo técnico. Deixou-se levar pelos caminhos da intuição sem com isso perder a bússola. O “swing” nas equações da matemática. Moz Carrapa assumiu-se como suporte e contraponto ideal das malhas urdidas no bandolim. Seguro, sempre, dialogante quando lhe foram pedidas explicações e comentários. Acima de tudo foi protagonista atento e equilibrado, resistindo de igual modo à subserviência e ao autoritarismo.

O Grito De Minela

Teriam sido só harpas e rosas se a magia não quebrasse por onde à partida não seria suposto tal acontecer, pela prestação de Minela, uma voz que sabe e costuma ser de assombro mas que no S. Luiz não soube encontrar o registo adequado. A ela coube interpretar uma série de canções de José Afonso – “Teresa Torga”, repetida no segundo “encore”, “Maio maduro”, “Fura fura”, “Milho verde”, “Entrudo”… – que defendeu com garra mas onde se perdeu quando lhe era exigida maior contenção. Demasiada estridência (defeito que a mesa de som poderia ter corrigido mas não corrigiu), hesitações no tempo e, sobretudo, alguma ostentação, situaram a cantora na margem oposta à de Moz Carrapa. O equilíbrio das cordas da guitarra por oposição ao excesso das cordas vocais.
O despropósito atingiu o auge numa improvisação (?) sobre “Milho Verde” com pretensões a experimental, segundo aquela concepção de que o experimentalismo, quando da utilização da voz, é sinónimo de gritaria. Até poderá ser “de gritos” mas não da forma como Minela o fez, descontrolada, pulmão à rédea solta, qual Castafiore serialista. Visivelmente, a cantora açoriana não é uma Diamanda Galas nem uma Irene Papas. Depois também não se percebeu muito bem aquela passeata pelo palco, em dança, sem graça nem leveza, acompanhada de palmas fora do compasso, durante uma conversa arrebatada mantida entre Júlio Pereira e Moz Carrapa, na introdução de “Fura Fura”. Desviou as atenções e não acrescentou fosse o que fosse à música. Pelo contrário, o sintetizador esteve mais apagado do que seria desejável, marcando presença a um nível quase subliminar.
Fora tais despautérios foi uma delícia escutar as cordas em festa do bandolim, no duelo com a guitarra, em “Palaciana”, numa “Nortada” em que o bandolim serviu de instrumento de percussão, na pura vertigem de um “Miradouro” revisitada, nas encruzilhadas da música búlgara que antecederam a explosão do “Entrudo”.
Júlio Pereira, sem computadores a estorvá-lo, é um músico que não cessa de evoluir. O caminho está livre à sua frente. A música tradicional, não há espanto nisto, chama do futuro. Saber dar-lhe voz sem lhe cortar as raízes, eis a vereda, eis o segredo. Júlio Pereira tem as cordas do tempo na mão.