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Etienne Daho – “ENTREVISTA A Propósito Do Lançamento Do Novo Álbum – ‘Paris Ailleurs'”

Cultura >> Segunda-Feira, 13.01.1992

“Paris Ailleurs”, o novo álbum de Etienne Daho, foi gravado em Nova Iorque, fala de Alfama, da saudade e de deambulações amorosas em volta de um quarto. “Guloso” de música e de literatura, o cantor bretão admira Lou Reed, Gainsbourg e Boris Vian. Entre múltiplas viagens e solicitações, comove-se com o fado e com a cidade de Paris.




Solicitado constantemente por outros artistas, em França e no estrangeiro, de Chris Isaak e Bill Pritchard, de Lio a Sylvie Vartan, Etienne Daho não tem mãos a medir. Aos 35 anos de idade, o cantor bretão está prestes a tornar-se uma estrela internacional. O facto da sua editora ser a Virgin ajuda muito. A virgindade tem as suas vantagens embora o cantor se assuma como rival de Cicciolina quando afirma praticar a “política do amor”.
“Paris ailleurs” faz parte de um pacote da Edisom para o ano em curso, de novos discos de John Cale, Ashley Maher, Public Image, Ryuchi Sakamoto e Nick Cave, entre outros ou, na Virgin francesa, dos Mano Negra, Jean-Louis Murat e Téléphone.
PÚBLICO – “Paris ailleurs” foi gravado em Nova-Iorque, com Peter Scherer, um dos nomes mais prestigiados da cena “underground” norte-americana. Que critério presidiu à escolha?
ETIENNE DAHO – Trabalhei muito em Londres, em álbuns anteriores. Neste caso quando cheguei ali não tive nenhum “feeling” especial. Por outro lado havia músicos com quem queria trabalhar que se encontravam em Nova-Iorque. Também estive quase para gravar em Lisboa…
P. – O disco acabou por ser misturado em França…
R. – Queria que participassem no disco alguns músicos franceses que aprecio, nomeadamente Edith Fambuena, a guitarrista e cantora do grupo “les Valentins”, que acabou por tocar todas as partes de guitarra e me ajudou na co-produção. É verdade que no princípio havia só músicos americanos – Carlos Alomar, ou o baterista dos B-52’s, Tom Durack, com os quais comecei a gravar -, mas a combinação não resultou.

Viagem Sexual

P. – “Paris ailleurs” é um álbum de viagens?
R. – Sim, é verdade. O álbum fala de viagens, de um vaivém constante. Não gosto muito de gravar em França, fica-se demasiado próximo do quotidiano. O facto de se ser francês no estrangeiro actua como um revelador da nossa natureza profunda. Nunca me sinto tão francês como quando estou no estrangeiro.
P. – Que são as “viagens imóveis” mencionadas na canção do mesmo nome?
R. – São outro tipo de viagens, talvez mais sexuais. As “viagens imóveis” falam de amor. Todo o álbum fala de amor e, por consequência, de sexo. A canção é um pouco como uma viagem à volta do quarto. Há a paixão e a intensidade do que se sente por alguém que nos toca, que nos faz viajar e partir.
P. – Neste álbum, alude por diversas vezes de forma explícita à cidade de Paris, a começar pelo título. Que significado tem para si, enquanto artista, Paris?
R. – Descobri Paris há 10 anos. Antes, já lá tinha vivido nos tempos de criança. Nasci na Bretanha mas Paris é a minha casa, os meus amigos. Funciona como uma base. Sou muito instável e sinto uma necessidade constante de movimento. Paris representa a possibilidade de poder parar e de “pousar as malas” por momentos. É uma cidade sublime mas aomesmo tempo não consigo permanecer nela durante muito tempo. Estou sempre a viajar, num estado de busca permanente.
P. – Uma das canções do álbum chama-se “Saudade”. A letra parece um retrato de Lisboa.
R. – “Saudade” fala realmente de Lisboa, de Alfama, das suas vielas fantasmagóricas e dos seus terraços onde o sol se despenha. Depois de conhecer a cidade fiquei a conhecer o significado de “saudade”. Sempre que ouço fado tenho vontade de chorar. “Saudade” foi a primeira canção que compus para o álbum, depois de ter estado em Lisboa. A partir daí deixei-me ir ao sabor da paixão, das palavras, da música…
P. – Desprende-se de “Paris ailleurs” uma impressão profunda de melancolia, de nostalgia…
R. – Sim, mas ao mesmo tempo é um disco muito positivo, precisamente porque fala de amor, a única experiência humana capaz de mover montanhas.
P. – O disco pretende de algum modo recuperar a tradição dos grandes clássicos da canção francesa? Há influências assumidas?
R. – Sim, sobretudo de Gainsbourg, para mim o grande mestre da canção francesa. Também gosto bastante de Boris Vian, de Barbara, de Françoise Hardy, das canções de Jeanne Moreau. A tradição francesa vive muito do texto, do aspecto literário em detrimento do rítmico. É verdade que a França não inventou o “rock ‘n’ rol” e por isso teve de “roubá-lo” aos americanos e aos ingleses. A França correu sempre de forma desenfreada atrás do “rock ‘n’ rol”, o que considero um erro. Aos poucos foram pessoas como eu, da minha geração, educados no rock, que acabaram por assimilá-lo de uma forma mais natural.
P. – O rock está presente em temas como “Des attractions desastres” ou na versão de “Berlue”, de Françoise Hardy, sobretudo ao nível dos arranjos que recordam Lou Reed e os Velvet Underground…
R. – Embora se trate de artistas cuja música aprecio muito – considero Lou Reed um mestre – nunca me passou pela cabeça imitá-los. Não tenho o complexo do “rock ‘n’ rol”. Prefiro deixar falar a minha verdadeira personalidade e deixá-la desenvolver-se até ao infinito.

“Sou Muito Guloso De Música”

P. – A sua música lembra, por vezes, a de Bill Pritchard. Ou será o contrário, já que um álbum deste cantor inglês foi produzido por si? Poder-se-á falar de uma identidade musical entre os dois?
R. – Essa identidade existe de facto e é a razão por que trabalhámos juntos. Interessamo-nos ambos em escrever canções com bons textos, que apelem ao lado emocional. Bill está mais ligado ao aspecto político. Por mim, prefiro praticar a política do amor.
P. – Alguém dos Working Week convidou-o para cantar com Julie Tippetts. Foi difícil para si, que está ligado à pop, cantar com uma das vozes mais exóticas do jazz actual?
R. – Não, de maneira nenhuma. Creio que, para além dos rótulos, é mais importante a mistura de pessoas, sejam elas semelhantes ou diferentes de nós. O que interessa é desenvolver uma atitude de espontaneidade. Não sou um artista rígido, sou curioso, gosto de me juntar e trabalhar com outras pessoas. É uma das razões que me leva a fazer co-produções de outros artistas, no intervalo da gravação dos meus próprios discos. Permite-me ter acesso a outros universos. Sou muito guloso de música.
P. – Também participa no álbum a solo do produtor Arthur Baker, ao lado de Al Green e Jimmy Sommerville…
R. – A ideia partiu do próprio Arthur Baker. Trata-se de um álbum internacionalista e ele deve ter achado que eu dava um bom representante de Paris…
P. – Outros músicos estrangeiros parecem ser da mesma opinião…
R. – É verdade. Tenho sido contactado por pessoas como Marianne Faithfull, Carly Simon e Boy George, para trabalhar com elas e há outras possibilidades de colaboração. Prova que a língua não constitui uma barreira e que a música é um gerador de emoções sem fronteiras.

Animal Collective – “Spirit…/Danse…”

(público >> y >> pop/rock >> crítica de discos)
14 Novembro 2003


ANIMAL COLLECTIVE
Spirit…/Danse…
2xCD Fatcat, distri. Ananana
9|10



Avey Tare e Panda Bear viajaram de Baltimore para Nova Iorque para se dedicarem ao malabarismo musical. Inventam melodias em forma de serpente, atiram-nas ao ar, umas vezes apanham-nas, outras deixam-nas cair para ficarem mais deformadas. Depois furam-nas e retorcem-nas até os olhos saltarem das órbitas. Nesta junção de “Spirit they’re Gone/Spirit they’ve Vanished” e “Danse Manatee”, respetivamente em 1999 e 2001, cabem os maiores desvarios. Eles falam em psicadelismo e a voz de Panda, a par de certas estruturas melódicas, sugere, de facto, os Legendary Pink Dots, mas nada nos prepara para a alucinação: eletrónica animalesca, pianos ora clássicos ora em dissonâncias jazzísticas, “easy listening” para psicopatas, “noise” mutante e pop – sempre a pop… – a trocar-nos as voltas. “Danse…”, mais abstrato, tem a densidade da música contemporânea e a originalidade de um futuro ainda por desembrulhar. Tudo o que pode ser experimentado entre uma visão de Syd Barrett e a cacofonia está aqui. O apocalipse da pop.



Felix Kubin – “Tetchy Teenage Tapes”

(público >> y >> pop/rock >> crítica de discos)
28 Fevereiro 2003


FELIX KUBIN
Tetchy Teenage Tapes
Skipp, distri. Matéria Prima
6|10


Vão-se rir mas é verdade: o génio alemão da pop eletrónica com legitimidade para se considerar herdeiro de Holger Hiller gravou “Tetchy Teenage Tapes” quando tinha entre 11 (!) e 18 anos. O Felix actual mostrou, no gozo, à editora as amostras dessas gravações efetuadas num gravador de quatro pistas com um sintetizador, um órgão caseiro, um computador de ritmos e um “dosophon” (set de bateria composto por latas de doces vazias) e que os tipos gostaram. A verdade é que foi graças a este trabalho pioneiro que, por volta de 1983, em plena “neue deutsche welle” (“new wave” alemã), surgiu em Hamburgo um movimento de bandas juvenis “underground” de eletrónica com nomes singelos como Voll Die Goennung, Intensive Styroporsymbole, Rekonstruirtes Relativpronomen e Universum. “Tetchy Teenage Tales” prova, por outro lado, que a eletrónica mais lúdica que hoje se faz pouco evoluiu desde então. Descontando a voz imberbe, as programações-pipoca e melodias arrumadas entre os Yello, os Der Plan e os Human League, é o mesmo Kubin excêntrico que encontramos, com uma frescura que os Nova Huta, Oleg Kostrow e Sergej Auto se encarregaram de dissecar. E o electroclash afinal começou aqui.