Arquivo da Categoria: Críticas 1994

Taraf de Haidouks – “Honourable Brigands, Magic Horses and Evil Eye”

Pop Rock

16 de Novembro de 1994
WORLD

Taraf de Haidouks
Honourable Brigands, Magic Horses and Evil Eye

Cramworld, distri. Megamúsica


th

Volume segundo de “Musique des Tziganes de Roumanie”, a nova colecção de canções de camponeses, lamentos, romances, danças e canções de casamento, prisão ou simplesmente uma “canção cigana para ser ouvida”, interpretada por músicos de três gerações de músicos ciganos da Roménia traz de regresso a magia e o tecnicismo impressionante destes “patifes” que o público português pôde presenciar ao vivo nos Encontros Musicais da Tradição Europeia deste ano. Música perene, transmitida de pais para filhos ao longo dos séculos, é a prova viva de um amor que na tradição cigana insiste em não morrer, mantido por sucessivas gerações de “lautari” (músico profissional cuja principal qualificação deverá ser a capacidade de improvisação) que adaptam, sem o trair, o estilo antigo aos arranjos actuais. O livrete apresenta excertos de diálogos entre vários elementos do grupo, sobre este (a coexistência entre o velho e o novo estilo) e outros temas como o casamento, o significado das baladas ou dos lamentos na canção cigana ou ainda sobre o ensino do violino aos jovens, de que não resistimos a transcrever uma parte. Diz Neascu, um dos anciãos do grupo a outro mais novo, que por sua vez se interroga sobre como ensinar o filho a tornar-se um “virtuose” no violino: “Neste ofício [de violinista], não se aprende, rouba-se! Um verdadeiro ‘lautari’ é aquele que, quando ouve uma canção, vai a correr para casa reproduzi-la de memória. Quem toca uma canção certamente não a vai ensinar. Sim, um violino é leve nas mãos mas pesado de aprender. Como a matemática!” (9)



Lena Willemark & Ale Mӧller – “Nordan”

Pop Rock

16 de Novembro de 1994
WORLD

Lena Willemark & Ale Mӧller
Nordan

ECM, distri. Dargil


lw

Lançado no mercado nacional na mesma altura que o novo dos Hedningarna, “Nordan” corre o risco de passar despercebido, o que seria injusto. Os nomes de Lena Willemark e Ale Mӧller já eram conhecidos – suspeita-se que por muito poucos – através do álbum excelente que gravaram juntamente com Per Gudmundson, “Frifot”, surgido no ano passado em quantidades reduzidas nos escaparates e que nesta secção foi na altura devidamente enaltecido.
A música destes suecos não passou despercebida a Manfred Eicher que, desde a edição de “Rosensfole”, de Jan Garbarek com a cantora Agnes Buen Garnas, não tem perdido de vista a música tradicional oriunda da Escandinávia. Em “Nordan” – primeira surpresa –, um dos percussionistas presentes é Björn Tollin, dos Hedningarna, que aqui, ao contrário do que acontece na sua banda, não se revela pela força mas antes pela subtileza. Baseada em baladas medievais e canções folk da tradição sueca, a par de composições originais de Ale Mӧller, a música de “Nordan” confirma a enorme beleza expressiva da voz de Lena Willemark – mais solta e enleante que as de Agnes Buen Garnas – e os talentos, como arranjador e multinstrumentista (mandola, flautas, harpa, “shawwm” ou bombarda medieval, trompa, saltério e acordeão) de Ale Mӧller, num disco que conta ainda com as presenças do “habitué” da ECM, Palle Danielsson, no contrabaixo, Mats Edén, nas “drones” de violino e “kantele” (saltério escandinavo), por Gudmundson (violino e gaita-de-foles sueca), Tina Johansson (percussão) e Jonas Knutson (saxofone e percussão), além do já citado elemento dos Hedningarna.
Os únicos reparos, de ordem subjectiva, poderão ir apenas para a produção, que para alguns poderá soar demasiado límpida, ou para as entradas “Garbarekianas” do saxofone, características de resto difíceis de eliminar num disco da ECM. “Nordan” tem a serenidade que falta a “Trä” e é o álbum ideal para complementar a loucura dos Hedningarna. E, já agora, é superior a “Rosensfole”. (9)



Hedningarna – “Trä”

Pop Rock

16 de Novembro de 1994
WORLD

NO EXCESSO ESTÁ A VIRTUDE

HEDNINGARNA
Trä (10)

Silence, distri. MC – Mundo da Canção


hed

O novo disco dos Hednigarna! Só de pensar será para muitos o êxtase antecipado. Que poderão ter estes suecos para apresentar depois da superbomba “Kaksi!”, unanimemente clamado como um dos grandes discos de folk, ou algo do aparentado, do ano? A resposta, consumada a audição, só pode ser uma: música! Se parte do impacto causado por “Kaksi!” derivava precisamente de factores como “novidade” e “diferença”, de um som sem antecedentes próximos da música de raiz tradicional oriunda não só da Escandinávia como do resto do planeta, em “Trä” (“madeira”) esse elemento-surpresa, como é óbvio, esbateu-se ou desapareceu mesmo por completo, o que permite agora à atenção concentrar-se por inteiro na própria música, independentemente de uma atitude ou do desenho de uma estética geral que em “Kaksi!” causaram o estrondo que se sabe.
Com a entrada triunfal do som de madeira de uma gaita-de-foles, sobre as percussões majestosas de Bjӧrn Tollin (de resto com um trabalho portentoso ao longo de todo o álbum), em “Täss’ on nainen”, tem início a passagem de novo vendaval dos Hedningarna. Uma serra eléctrica introduz o tema seguinte, “Min skog”, outra vez com percussões demenciais e a sanfona de Andres Stake, como de costume, ameaçando estoirar a qualquer momento. “Varg Timmen”, com percussões electrónicas a lançarem para o espaço o violino “hardingfela”, é pop, é tradicional, é tudo o que se lhe quiser chamar, é irresistível e decerto o tema em que as rádios vão pegar. Em “Gorrlaus”, a voz de Sanna Kurki-Suonio aparece filtrada e a sanfona volta a ranger os dentes sobre percussões totalitaristas. Os Hedningarna são os Laibach da folk! “Skrau Tvål” é uma dança xamânica e “Pornopolka” (!) uma segunda hipótese a considerar do ponto de vista radiofónico.
O experimentalismo respiratório de “Räven” remete para a importância que as “drones” detêm na música dos Hedningarna, cuja dupla de vocalistas femininas (além de Sanna, Tellu Paulasto) volta a atear-se em “Såglåten”. “Tuuli” é tecno da idade do gelo e nova demonstração de que os Hedningarna não receiam pisar o risco. É necessário esperar pelo penúltimo tema, “Täppmarschen”, o mais “tradicional” na forma, de “Trä”, para se ter direito a um pouco de calma. Se ainda não adivinharam, “Trä”, mais ainda do que “Kaksi!”, tem um “speed” que ronda o frenesi e não dá um segundo de descanso a ninguém. Um fogo incontrolável parece possuir os Hedningarna, demónios à solta que, por enquanto, não se sabe se estão a destruir ou a construir uma nova música tradicional. Mas as chamas acabam por baixar por fim de intensidade, deixando ouvir, no princípio e durante largos segundos no final do último tema, “Tina Vieri”, o som de água a correr. A própria voz feminina brota de uma fonte mais fresca antes de a gaita-de-foles soltar um emocionado canto de despedida.
“Trä” trará decerto um público ainda mais vasto para os Hedningarna, “vikings” com o freio nos dentes para quem, mais do que nunca, a virtude está no excesso.